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segunda-feira, 6 de julho de 2015

Bebida; Subs.Feminino: Mulher que Bebe é Feio!

By Tavares 512   Posted at  18:56   bebidasubstantivofeminino











Resolvemos re-postar, também, o primeiro texto, da linda, Sâmia Louise em nosso blog. Muito divertido e ajuda você, Macho Alpha, a pensar melhor sobre seu papel no universo...nem que este universo seja um bar.

MULHER QUE BEBE É FEIO!

Sim, mulher que bebe é muito feio. Concordo plenamente. Não fica nada bonito posar com os cantos dos lábios borrados de batom, após encontros consecutivos com o copo. O resultado não é agradável. Por isso, sempre que eu saio para beber, levo uma amiga ao lado ou um espelho na bolsa. Não que eu vá dar muita importância aos retoques depois de algumas doses de vodka, mas gosto de me sentir prevenida caso encontre um babaca cuspindo por aí que "mulher que bebe é feio". Vou limpar o borrado com um guardanapo, pintar os lábios novamente e continuar linda. Não antes de pedir outra dose, certamente.


Beleza é opinativa, é claro. Particularmente, o que eu acho bonito é a mulher que sabe ser dona de si. Que decide a roupa que vai usar, o lugar que vai frequentar e se sente segura na hora de fazer o seu pedido, seja ele um suco de laranja ou um conhaque. Bonita é a mulher que não se intimida com os discursos que tentam nos oprimir. Que vai pedir água com gás ou pinga com limão - a depender unicamente da sua vontade, humor ou TPM. Porque ela não precisa ser dama na mesa, nem em lugar algum. Ela só precisa ser ela, e ponto.

Gosto é pessoal, é claro. Particularmente, eu sou dessas que gostam mais de cerveja do que de muita gente. Dessas que adoram uma mesa de boteco, e que só costumam ir embora depois da terceira saideira. Dessas que vivem prometendo dieta, mas não resistem a uma boa farofa de torresmo. Que vão passar horas com os amigos rindo de piadas infantis, chorando o salário atrasado, trocando dicas de seriados ou discutindo coisas sobre o Planalto Central, também magia e meditação. Que vão desabafar sobre sua vida amorosa com o garçom e se tornar eternamente responsável por lembrar o nome dele na próxima sexta.

Por isso, eu puxei a cadeira e me sentei à vontade quando fui convidada para fazer parte do Boteco 512. Se “bebida” é um substantivo feminino, nada mais justo do que vir contar sobre o dia a dia das mulheres nas mesas de bar. E se você, minha amiga, anda ocupada demais cuidando do seu jardim, porque ouviu essa lenda sobre atrair borboletas, sente-se aqui ao meu lado, encha o seu copo e vamos conversar. Esqueça essa besteira sobre jardinagem. Afetos verdadeiros não exigem esforço para cultivar. Além dos mais, se você gosta das suas flores, por que podá-las? E se você, meu amigo, é desses que acham que mulher que bebe é feio, tenho uma boa notícia: sou eu que vou pagar a minha conta depois da última saideira. E retocar o meu batom, é claro.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Sobre o que diz o meu silêncio.

By Tavares 512   Posted at  07:32   bebidasubstantivofeminino










Eu te acho uma tola por ficar ressentida quando não me ouve pronunciar o que sinto em alto e bom tom. Você já me conhece o bastante pra saber que em meus lábios há mais beijos do que palavras. E nem adianta me observar de esguelha com teus olhos redondos e nervosos, enrugando a testa e sacudindo o pé com força, pra demonstrar o quanto está irritada. Não adianta fazer um coque no cabelo, vestir o pijama branco de bolinhas pretas e colocar os óculos de grau pra assistir à TV, só para me mostrar (como quem não quer nada) o quanto é possível ser linda em cada pedaço de normalidade. Porque ainda assim, eu te acho uma tola. E olha que não estou nem considerando o fato de você querer me obrigar a chamar as bolinhas pretas de “poá”.

Você é uma pequena tola, menina. Porque é no âmago do meu silêncio que eu grito todos os dias tudo o que sinto. Nas noites em que apago o meu cigarro sem uma palavra, quando noto que você acabou de sair do banheiro com o cabelo lavado. Ou quando me esforço pra memorizar os nomes dos seus personagens favoritos, ainda que sejam de livros que eu nunca lerei. Ou nas manhãs em que desperto sem fazer ruídos pra poder passear com olhos intrusos pelo desenho do teu rosto, tentando memorizar a posição de cada pequena sarda que estampa teu nariz. E depois, quando faço de conta que estou me mexendo durante o sono só pra te acordar, porque não consigo ficar muito tempo sem ver o teu sorriso e ter a certeza diária de que é ele o meu par. Toda vez que você sorri, menina, eu te amo ainda mais. Toda vez em que eu te recosto em meu peito e faço um cafuné sem jeito, meu coração bate com força no ritmo de uma canção que tem o teu nome. Vê se deixa de ser tola e escuta, menina.

Pois então não me peça pra enumerar motivos, oras. Se você quer mesmo saber a verdade, a razão costuma soprar em meu ouvido com tom severo que essa coisa de amor uma hora dói. Mas, no fim do dia, é a tua voz que eu prefiro ouvir, rindo de alguma bobagem dita num programa de auditório qualquer – é quando tudo se desvanece, e eu sinto que não poderia ser mais feliz. O meu querer é um substantivo nada abstrato, que não aprendi a quantificar. Então, por favor, não me pergunta porque estou aqui, apenas abraça a minha presença com teu cheiro doce de macadâmia. Não precisa dizer nada, eu vou entender que estou em casa. Não me faz mais perguntas, menina. Apenas aceita ser o meu lar e diz que nossas paredes estão seguras. E então eu vou despir as tuas cortinas e percorrer com os lábios cada cômodo do teu corpo. Quando eu te olhar nos olhos, é porque quero fazer deles janelas e poder contemplar a eternidade que cabe em teu céu. E nesse instante, os meus gemidos não serão sem sentido. A cada vez que eu sussurrar ofegante em teu ouvido, eu vou estar dizendo que é aqui – até o fim dos meus dias – que eu quero morar. Vê se deixa de ser tola e entende, menina.

Sentimento não foi feito pra caber em escala, veja bem. Ele se torna real é na hora em que transborda, afoga, sufoca a respiração até tocar o inconsciente. Amor não carece de barulho, menina. O único som necessário é o de um coração regando disposto a semente plantada em solo vizinho, até que a raiz reconheça sozinha o seu lugar. Quando você me vir calado, não toma o meu silêncio como indiferença – é que eu estou concentrado cuidando do nosso amor pra poder te presentar com o jardim mais colorido. Nas manhãs de domingo, eu posso podar os ramos enquanto você molha os pequenos brotos. Então, deixa de uma vez essa tolice, e quando o primeiro lírio nascer, diz logo que eu não preciso mais ir embora. No dia em que eu trouxer minhas malas, enrola o cabelo naquele coque e põe o pijama de bolinhas pretas pra me esperar. Eu te dou toda a beleza contida em meu silêncio, se você finalmente disser que para sempre será o meu lar. E nesse dia, eu vou te provar tudo o que sinto. Não, não vai ser necessário pronunciar que te amo. Eu vou apenas te sorrir ao cruzar a porta e correr pra te abraçar forte, com a mesma força que gostaria de passar o trinco na porta. Não se espante se eu me demorar assim por algum tempo, respirando o teu perfume e soprando hálito de menta em teu pescoço. Vou beijar teus lábios rosados e rir feliz para cada uma das tuas sardas. Encarar o castanho-esverdeado dos teus olhos e pensar no quanto eu adoro esse papel de parede. E só vou quebrar o silêncio pra dizer o quanto você fica linda vestida de poá, menina.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Bebida Subs. Feminino: Junho.

By Tavares 512   Posted at  12:01   bebidasubstantivofeminino












O cheiro de gengibre afagou a ponta gelada do meu nariz, acariciando-o. A timidez desviou os meus olhos de forma ríspida. Ouvi o seu riso devagar. Na medida em que foi se aproximando, senti sufocar o olfato. Dedos grossos no meu queixo me fizeram erguer novamente – me encarou, e então estremeci ao frio que atravessava a nudez da minha alma. Tocou-me os lábios, o sabor era doce. Canela, talvez. As mãos também estavam frias, mas explicavam com maestria como se fazer combustão ao deslizar com cuidado por meu corpo. As pessoas repousavam com tranquilidade por entre uma barraca e outra, pareciam não nos notar. A fogueira queimava no centro da praça. Algo inteiramente novo ardia dentro de mim. Éramos a inocência da lenha que se entrega ao calor sem consciência da altura das chamas.

O que se sabe de amor aos 15 anos? Não, eu ainda não amava. Amor é pra gente grande. Eu apenas admirava o céu negro tomado por bandeirolas quando as palavras se sentiam estúpidas demais e regrediam antes de chegar aos lábios. A cada vez que o vento de inverno soprava, trazia ao meu encontro a crença de que aquelas cores davam vida também ao meu peito. Não era amor, sabe. Era a descoberta de sensações que eclodiam feito show pirotécnico – cada poro do corpo sendo palco de uma explosão. Eu era o próprio fogo, toda feita de artifícios. De amor eu nada sabia, é verdade. Conhecia apenas uma oração silenciosa ao sol, pedindo que ele se demorasse para nascer – as dores já fumegavam discretas diante da simples previsão do adeus. Não era amor, pensei. Apenas o desejo de que aquele instante em que sua respiração se casava com a minha durasse o tempo do sempre.


“Guarda-me num relicário”, foi o que ele disse ao dia claro, quando não se podia mais prolongar a despedida. Mas a única coisa que eu conseguia ser capaz de guardar eram as cinzas da lua que se apagou sem piedade. E a nostalgia do aroma de especiarias. E o sorriso vazio feito a praça ao fim de festa. Quanto tempo demorariam as estações? Quanto tempo bastaria para desbotar a cor de uma bandeirola que deixara de decorar do céu? Não houve resposta, apenas o silêncio algoz da sanfona que anuncia o seu descanso. Acabei por guardá-lo no relicário, afinal. Não desses que não se pendura no pescoço, mas que é lacrado com uma promessa de eternidade e depositado no fundo do peito. Se era amor, eu só saberia muito tempo depois. Era junho, disso bem me lembro.


quarta-feira, 27 de maio de 2015

Cartas que não entreguei e outros pedaços de despedida‏

By Tavares 512   Posted at  06:41   bebidasubstantivofeminino












No espelho embaçado do banheiro que deixou de ser usado como lousa para recados que me arrancavam sorrisos, eu vi. No desinteresse em ouvir uma história do meu dia de trabalho e no beijo de boa noite tão automático quanto o dever de escovar os dentes. Entre as gentilezas que perderam o fôlego e escondido no meio da poeira do porta-retratos, eu vi. No silêncio do celular que parou de receber trechos de músicas em forma de SMS. Na máscara que os teus olhos usavam toda vez em que precisava justificar uma ausência, eu vi o nosso adeus.

Naquele sábado à noite em que você não se importou em fazer as pazes depois de uma briga boba. Eu tentei pedir desculpas por um erro que nem sabia se havia cometido, mas nem para elas houve paciência. Precisamente no momento em que você me deu as costas para dormir, eu senti. Na rapidez com que sua respiração começou a ficar pesada e você mergulhou num sono tranquilo. Quando percebi que os nossos espinhos não te incomodavam, eu sabia que era ele. Em cada instante da insônia que me perseguiu durante aquela madrugada. Nos braços que não me abraçavam. Na indiferença que me desconfortava. Na frieza do lençol que embalava o meu corpo, eu senti o nosso adeus.

Quando abri meu coração pra tentar te fazer enxergar as pequenas feridas que havia lá dentro, mas você estava ocupado demais para ver. Quando pedi que você escutasse ele agonizando infeliz, mas você estava cansado demais para ouvir. Quando transformei o meu querer mais puro em palavras tortas nas cartas deixadas sobre a escrivaninha, porque nunca tive coragem de entregar em tuas mãos, mas ainda assim você nunca leu. Quando te implorei um pouco de compreensão, e ouvi a tua voz pronunciar os termos mais rudes que pude reconhecer. No calor das lágrimas que faziam procissão em minha pele no silêncio de cada noite, eu senti o nosso adeus.

No dia em que eu comecei a pedir aquilo que se dá de forma espontânea, ele já estava lá. Nos momentos em que eu esperei você retribuir um carinho, planejar uma surpresa, fazer um convite inesperado, me deixar sem ar. Quando a frustração se tornou uma velha companheira, e o teu perfume misteriosamente foi ficando igual a tantos outros cheiros. Morreram as borboletas no estômago, e nosso diálogo se tornou tão comum quanto uma simples tarefa doméstica. No fim de tarde em que eu finalmente levantei os olhos e reparei no rapaz que me oferecia o seu lugar no ônibus todos os dias. Na canção que saltava do meu fone de ouvido quando eu percebi que não conseguia mais suportar o peso de um coração doente. No instante em que eu descobri que os teus atos estavam ficando pequenos demais para os meus sonhos, eu vi o nosso adeus.

Em todas as vezes que eu insisti em mendigar mais um pouco do teu amor, ele aguardava paciente. E você sem ao menos desconfiar, dava apenas migalhas suficientes para eu sobreviver. Teu amor virou um regrado gole d’água, tocando minha boca rachada e deslizando pela garganta seca, pra me fazer acreditar em desespero que ainda havia esperança. Mas você esqueceu que no coração não há espaço para o que é insípido e inodoro. Paixão é feito cachaça, dessas que coram a face, arrancam risos sem sentido e deixam as mãos dormentes. Dessas que depois de virada a primeira dose, a gente sabe que não deve, mas esquece os porquês e faz de tudo pra não parar. Dessas que quanto mais entorpecem, mais a gente grita que está tudo bem e pede mais uma. E mais outra. E outra. Eu quis me embriagar em cada gota do teu suor, em cada veia palpitando vida em teu corpo. Mas depois do êxtase, você me deu pouco, e ainda menos. Em toda dose que chegava pelo teu conta-gotas, sempre mais nítido, eu podia ver. Na manhã em que eu acordei de ressaca, tive certeza do nosso adeus.


E quando você finalmente reparar nessas palavras sobre a escrivaninha, eu vou estar tão distante cumprindo o destino da nossa despedida, que essa vai ser só mais uma carta que eu nunca te entreguei.


terça-feira, 19 de maio de 2015

Bebida; Subs. Feminino: Despertando

By Tavares 512   Posted at  10:47   bebidasubstantivofeminino











Era engraçado o jeito manhoso como os raios de sol invadiam as vidraças da minha janela para me acordar toda manhã. Alguns chegavam meio tímidos, outros já conheciam o caminho – lá pelas seis e tantas, todo mundo já se sentia em casa. Então se roçavam em minha cama e lambiam meu rosto, fazendo gracinhas até eu despertar. Vibravam, demonstrando a carência para que eu retribuísse a brincadeira, como animais de estimação ansiosos por um gesto familiar do dono. Mesmo já consciente, eu me fingia de adormecida, virando para o lado e fugindo propositalmente do seu encontro. Perceber que ainda me faltavam alguns minutos sagrados antes que tocasse o despertador me provocava um mau humor ácido.

Lembro de quando, há muitos quilômetros e anos dali, era minha mãe quem chamava meu nome toda manhã, lembrando o horário sempre em que eu insistia em ficar por mais alguns minutos na cama. Levantar-me sempre foi a pior parte do dia. O corpo sonolento de quem sigilosamente dormiu fora do horário reclamava. Os olhos negavam-se a abrir, e os personagens do sonho interrompido ao meio ficavam indignados. Os cabelos arrepiados assustavam o espelho. E era assim, com essa carga de quem era obrigada a carregar a nudez do mundo, que eu costumava começar os meus dias, por muitos anos.

Mas hoje algo começou diferente. Mesmo tendo feito colagens nos vidros de minha janela, para impedir que a luz me despertasse tão cedo ao amanhecer, fui surpreendida por pequenos raios de sol que conseguiram se espremer nas minúsculas falhas da minha tentativa frustrada de não ser acordada. Hoje foi diferente e jamais saberei explicar porquê. Os fiapos de luz dançavam em meu rosto, escorregavam por minha bochecha, faziam cócegas. De um lado a outro, num doce ritual, eles enfim conseguiram me seduzir naquela brincadeira… mesmo com o corpo adormecido, mesmo semi-consciente, eu deixei um sorriso nascer tímido no canto dos lábios. Foi assim, sem explicação, que os raios de sol conseguiram me inflamar.

Hoje eu sorri para o sol. E, sem querer, despertei para a vida. Ela sempre esteve lá, tentando-me, insistindo por mim. Eu virava a cara e resmungava mal humorada. Na verdade, escondia o meu medo de acordar. Minha existência inteira, tantas existências, quanto medo de acordar para a vida! É tão mais fácil reclamar de um corpo ainda cansado, da agenda de compromissos cheia, de problemas que não enxergamos solução. É tão mais simples perder tempo procurando culpados e viver algemados em responsabilidades que julgamos não ser nossas. É tão mais cômodo ser pessimista porque, no fundo, não queremos nos esforçar para ser capazes.



Difícil é sorrir ao amanhecer e admitir que tudo depende, primeiramente, de nós. E que todo dia que nasce nos apresenta uma vastidão de oportunidades esperando para serem descobertas. Não importa se chegar azul, cinza, nublado ou até mesmo furioso – no fundo, o céu sempre retribui o nosso sorriso em sua plenitude. Basta que nós tomemos a iniciativa de, ao menos, não lhe virar as costas. Podemos fazer do nosso dia apenas uma rotina desgastante, torcendo para que chegue logo ao fim, para iniciar-se outro igual. Ou podemos peitá-lo, mostrar quem está no comando e saborear cada pequeno instante da incrível existência.

Não basta abrir os olhos ao amanhecer. É preciso despertar para o que há de melhor em nós. É preciso sorrir para o que há de melhor na vida.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Bebida: Substantivo Feminino - Reparos

By Tavares 512   Posted at  05:20   bebidasubstantivofeminino



O café ainda está sobre a mesa, à tua espera. A caneca é a mesma que te arrancou risos na primeira vez em que veio à 
minha casa. Talvez você ainda não tenha reparado que, por isso, ela tem certo significado pra mim. A mesa já não continua da mesma forma: mudei a posição para que, do assento que você tomou como seu, tivesse uma boa visão da TV. Eu sei que você não admite perder o jornal, tampouco as superstições. Sei também que ponto-cruz está fora de moda, mas foi a única coisa que eu aprendi a costurar quando criança pra lembrar como fazer esse bordado torto na toalha de mesa. Tive a impressão tola de que, toda vez que você olhasse para a costura, estaria olhando um pouco para dentro de mim. Mas você também não reparou nela, eu sei.

Você não reparou que eu ando discretamente tentando estampar pedaços meus por onde você passa, pra chamar tua atenção como quem não quer nada. Não reparou que tenho feito isso pra te mostrar que a minha felicidade tem se resumido a dominar a receita de como te fazer feliz. Não reparou que eu ando por aí meio infeliz buscando indícios teus ao longo do dia. Nem nos planos que arquitetei sozinha nas noites em que tua respiração alta me roubou o sono. Nem mesmo no teu atraso sempre tão pontual, você não reparou. Nem no nó que se forma em minha garganta a cada vez que você justifica uma falta ou uma falha com ar de naturalidade. Você não reparou que você não estava aqui para fazer um comentário inútil sobre a previsão do tempo, para as mãos dadas até o ponto de ônibus, para o beijo rouco de bom dia. Você não estava aqui pro café nem pro cafuné. Não estava para as curvas diárias da vida.

Você não reparou que o peso das tuas ausências tem doído os meus ombros. E que dor e amor só rimam em poemas ruins. Ando cansada de andar cheia dos teus vazios, e me doar todo dia a uma nova dor na esperança de que você finalmente acerte a rima. Minha alma inteira está cansada de se alimentar de pedaços, receber metades, sentir pouco, viver ao meio. Às vezes me pergunto por que Deus soprou em cada célula do meu corpo essa mania de intensidade. Pergunte aos meus ex-amores: minha face é calmaria, mas meu coração é tempestade.  Eu gosto de me afogar em ondas de arrepio – não de lágrimas. Mas você também não tem reparado nelas, eu sei.

Como sei que o café sobre a mesa já está frio e amargo. Assim como o meu coração. Os dois já cansaram de te esperar, e sabem que “você” agora é um termo sem sentido que não se encaixa no poema. E, não se preocupe, a essa altura eu também não espero mais que você repare – nem nos detalhes, nem os danos.



Sâmia Louise
--
Jornalista

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Vem Levar o Que é Teu.

By Tavares 512   Posted at  06:34   bebidasubstantivofeminino












Eu quero acreditar que o teu celular está perdido em algum boteco por aí, e por isso você não retornou as minhas ligações durante esta semana. Tenho repetido pra mim mesma que a tua secretária anda sobrecarregada com os afazeres do escritório e acabou esquecendo de colocar na tua mesa a minha dezena de recados. Que abriu algum restaurante de comida mineira em teu bairro e te roubou a freguesia daquele feijão com caldo e bife a milanesa, onde qualquer um podia te encontrar religiosamente às 12:40. E eu tomei a liberdade de avisar ao porteiro do teu prédio que o teu interfone está quebrado, mas ele tem se recusado educadamente a me dar ouvidos.

Eu só tenho te procurado pra dizer que se esse tal de tempo é mesmo o que você quer, então toma ele de vez. Ta aqui. Pega todo o tempo que você precisa, coloca dentro da mala junto com as camisas de botão que fizeram casa em meu guarda-roupa e vai logo embora. É porque eu venho achando que conviver com a tua completa ausência talvez seja menos doloroso do que ser forçada a olhar diariamente para todos esses fragmentos teus que ficaram por aqui. Eu ando me esbarrando nas pontas ásperas dos pedaços que você deixou. Os curativos que tenho feito estão até conseguindo esconder as feridas, mas a dor estampada em meus olhos me denuncia aonde quer que eu vá.

Então volta aqui só mais uma vez pra levar embora tudo o que é teu. O moletom desbotado que eu usava pra dormir, o iogurte desnatado na geladeira, as revistas de esporte na prateleira da sala. Ah, e não esquece a narração da Fórmula 1 me acordando aos domingos. A caneca do Homer Simpson continua do lado esquerdo da primeira porta do armário, e no meu pescoço está o toque dos beijos que você depositava em silêncio enquanto eu lavava a louça. Leva as letras das músicas que você cantava errado durante o banho e as gargalhadas que elas me arrancavam. Na minha roupa de cama ainda tem o cheiro do teu desodorante. Leva também o gosto do teu abraço, que tem teimado em amargar o meu café da manhã. Leva as marcas que o teu cafuné deixou em meus cabelos. Leva o calor do teu corpo que ainda habita o meu.

Vem, leva tudo o que é teu. Me leva também – porque eu não sei mais ser outra coisa senão ser tua. Me joga nas tuas costas e diz baixinho que eu te pertenço. Me traz de volta a felicidade – me leva. Avisa ao teu porteiro que eu cheguei pra ficar. E diz pra ele que pode deixar o interfone continuar quebrado – depois que esse tempo nublado passar, eu não quero que nada, nunca mais, interrompa o nosso amor.


quarta-feira, 29 de abril de 2015

Vermelho Intenso

By Tavares 512   Posted at  07:02   bebidasubstantivofeminino











Andava com os mesmos passos descompassados da meninice, na mesma calçada, voltando do mesmo local de trabalho desde que era estudante. O horário era o mesmo, com os últimos raios do mesmo sol alaranjando o horizonte, num anúncio de despedida. Eu era a mesma, sempre. A mesma casa, os mesmos amigos, o mesmo cardápio e penteado. Os mesmos livros, as mesmas músicas, os mesmos hábitos e planos.

E lá estava eu descendo do mesmo ônibus e seguindo pela mesma calçada com o mesmo descompasso, quando olhei de relance a mesma loja de cosméticos que ficava do outro lado da rua. Estaquei, como nunca havia feito. Olhei para os dois lados, com medo de que alguém estivesse a flagrar aquela cena. Alguns minutos se passaram, algumas pessoas se esbarraram em mim, até que eu conseguisse domar o meu conflito interior. Coloquei o primeiro pé na faixa de pedestres. Avancei.

Cheguei ao outro lado da rua pela primeira vez, quebrando sigilosamente aquele mesmo ritual diário. Respirei fundo, temendo que alguém ouvisse as batidas violentas do meu coração – seria um erro fatal que ele me denunciasse nesta hora. Entrei na loja de cosméticos, assustada com tanta coisa diferente do mesmo. Prateleiras com diversas cores, tamanhos, nomes, aromas e formatos. Eu, com olhos incertos, mãos levemente trêmulas e palavras atropelando-se em minha cabeça, mas que eu não conseguia balbuciar. Boba, atônita, apenas admirando o objeto do meu desejo. Eu ainda não sabia, mas aquilo eram sintomas de uma paixão.

Agarrei-o. Atravessei as pessoas, as prateleiras, o caixa, e corri num compasso diferente até em casa. Bati a porta, passei a chave e larguei-me no chão, o ar ainda cortando os pulmões pela sede para recuperar o fôlego. Não havia tempo a perder. Em poucos minutos, já estava rasgando a embalagem e deixando à mostra o responsável pelo crime passional que acabara de cometer: um estojo de tinta de cabelo, cor vermelho intenso. Meus olhos brilharam novamente. Havia um descolorante. Havia luvas de aplicação. Havia um manual de como encarar a mudança.

E lá estava eu, quase possessiva, devorando com os olhos aquele passo-a-passo. No fundo, mesmo nunca tendo deixado de ser a mesma, eu sabia que não há essa coisa de fórmula pronta para a gente aprender a mudar. É algo que nascemos sabendo, e só descobrimos esta habilidade quando nos vemos encurralados por ruas intermináveis a céu aberto. É algo como, no exercício da mais plena liberdade, sentir que não há escolha. E então escolhemos pelo diferente, e libertamo-nos. Mas, não sem dor ou medo. Pois a convivência com o mesmo de nós é tão cômoda, que nos ludibria a ponto de passarmos tanto tempo ali, achando que estamos felizes por cultivar amor. Mas só quando a libido pelo novo toma nosso corpo, e inconscientemente segura as rédeas das nossas ações, percebemos o quanto há de espaço em nosso coração. Vemos o quanto de vida há a nossa volta, esperando apenas uma troca de olhares para nos apaixonar.

Sim, eu me apaixonei pela vida. Andando pela mesma calçada, no mesmo horário, eu olhei acidentalmente em seus olhos – um caminho sem volta. No dia seguinte, até o meu espelho saltou de espanto quando me viu reluzir aos raios de um novo sol que entravam pela janela. Saí de casa dando novos passos e criando outro descompasso. Agora, eu carregava um vermelho que não me deixaria esquecer o sabor do inflamável. Agora, eu era intensa em tudo fazia. Afinal, apaixonar-se pela vida era um caminho sem volta, e por ele eu seguia.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Promessas

By Tavares 512   Posted at  11:27   bebidasubstantivofeminino












Foi quando meus dedos embaraçaram nos botões da tua blusa que eu percebi o quanto tinha pressa. Por uma fração de segundo vislumbrei o pânico, mas o teu tronco seminu abafou qualquer suspiro de razão. Movi as mãos novamente, tateando com violência as brechas da tua renda. Em quanto espaço por minuto você teria percebido a velocidade do meu desejo? Desabotoei mais um. Essa brincadeira de te desvendar já vem construindo um vício diário. Tijolo por tijolo, botão por botão. Arquitetado no silêncio incômodo que persegue a tua presença e nos sons deixados pela tua falta – eu posso vê-lo sempre maior. Cresce rápido, como o ritmo da dança insana que meus lábios aprenderam a coreografar pelo teu corpo pequeno. Dia desses, num passo descuidado, o aroma cítrico que se desprende do teu cabelo me pediu pra ficar. Esperei o convite se materializar nos teus lábios, mas ele nunca aconteceu.

Convida-me pra ficar, menina, e então eu te prometo que perco a pressa. Vou jogá-la na poltrona da sala junto com o meu paletó, já esperando você resmungar em tom ranzinza que o certo é pendurar detrás da porta. Também não vou te interromper quando começar pela milésima vez a explicar que é preciso descalçar os sapatos antes de andar pelo tapete, achando graça de que você não perceba que a minha resistência em entender algo tão simples é pura pirraça para te ver irritada. Se eu ficar, espero você terminar os sermões. Convida-me, e então eu te prometo paciência para todas as tuas regras, ainda que acompanhada por riso solto. Quando eu reduzir a velocidade, talvez consiga não quebrar nenhuma delas. Quem sabe então a gente possa esquecer que a vida tantas vezes já nos partiu em cacos, e possamos, enfim, ser por inteiro.

Convida-me pra ficar, menina, e então eu te prometo que faço chá de canela. Já conheço exatamente o teu ponto: decorei todas as medidas de açúcar, fervor e mau humor. Te trago na cama acompanhado por biscoitos de goma, naquela bandeja de cores fluorescentes. Até deixo você escolher o filme – não sem alguma crítica irônica, para não levantar suspeitas. Quem sabe então, no fim, eu te conte que só faço isso pra poder passear livre com os olhos por cada traço do teu rosto, enquanto você acompanha vidrada as cenas da TV. Eu coleciono secretamente um catálogo das tuas expressões, e ando sufocado com a sensação de que poderia passar o tempo de uma vida folheando-o. Convida-me, menina, e então eu abandono esse jogo de segredos, jogo fora o tabuleiro, jogo meu corpo em cima do teu, e a única brincadeira que fará sentido é a dos meus dedos com os teus botões. Com calma, dessa vez.


terça-feira, 14 de abril de 2015

O bom da vida é que ela é sua‏!

By Tavares 512   Posted at  06:58   bebidasubstantivofeminino










Inspire. Expire. Respire. Puxe todo o ar que conseguir e saboreie: viver é uma delícia. O calor, o frio, o arrepio: viva tudo o que puder. Do inverno à primavera, os dias estão a sua espera, sedentos. Doe-se às experiências. Doa-se o resto. Um beijo, um abraço, um riso, uma viagem, um plano, uma vodka, um frio na barriga… entregue-se às sensações! E, com um pouco de magia humana, construa com elas histórias que mereçam sobreviver a vida inteira. Por favor, não se deixe cair no mesmo. Não perca a capacidade de admirar-se. Mantenha sempre aquecida a sua sensibilidade, que ela se encarregará de não deixar morrer o encanto.

Seja. Sinta. Permita. Morda o fruto proibido: o mundo é seu. Aceite ao menos descobrir o que ele tem para oferecer. Não tenha medo, não tenha fé; tenha amigos. E que alguns sejam serpentes e soprem ao seu ouvido que há vida além das videiras. E que você decida o que é bom e o que é mau. Vá ao outro lado. Vá aonde quiser. Há tanta gente, tanto lugar, tanta eternidade esperando para serem descobertos! Extravase os limites do Éden. Crie os seus próprios limites. Pecados e paraísos: quem disse que devem ser paradoxos? Não esqueça: a vida não é eterna, mas pode ser intensa.

Irradie. Inove. Renove. Conjugue todos os verbos que quiser: a escolha é sua. Não importa o que dizem a sintaxe ou a morfologia, mas sim o sentido que dá o coração. Não espere o tempo engolir o prazo de validade. Deixe cicatrizar. Diga que ama. Ou que não ama mais. Perdoe. Peça perdão. Ria alto. Olhe nos olhos. Liberte-se. Veja no espelho os reflexos de sua história, sentimentos e situações, e então diga o que é certo e o que é errado – ninguém mais poderá fazê-lo. Não se preocupe, o que se faz pra ser feliz dispensa explicações. A felicidade é primordial, e por isso, por si só justifica-se. Então, pronuncie em voz alta o que você quer o que você pode. Sim, querer é poder. Pois o bom da vida é mesmo essa coisa de gostar e desgostar; planejar, destruir e reconstituir; tentar e tentar de novo. O bom da vida, meu amigo, é que ela é sua.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Cortes e Curas

By Tavares 512   Posted at  12:26   bebidasubstantivofeminino












Lembro com precisa exatidão das últimas vezes em que fui ao salão cortar o cabelo. Ombros rígidos, mãos frias e quatro palavras que movimentavam meus lábios com insistência: só três dedinhos, moça. Olhos que tentavam ver por entre as mexas jogadas para frente e teimavam em querer acompanhar movimentos que o pescoço não podia fazer. Só três dedinhos, moça. Três dedinhos. Era uma súplica, um cilício encravado em silêncio. Era uma oração: só três dedinhos. Três. Por favor, moça.

Em certa ocasião, os três dedinhos viraram uma infinidade de cabelo caindo no meu colo. Quando fecho os olhos ainda posso recordar a náusea de me ver novamente vestida com aquela capa, de uma brancura propositalmente alva para contrastar com minhas madeixas negras. Eu vi aquele branco ser tomado por cada fio, como um campo de neve engolido pelas trevas dos livros de ficção que li durante a infância. Ao final, olhei para o espelho e encarei com olhos lacrimejados aquela pessoa estranha. Tive raiva… de mim, da tesoura, da moça, das pontas que insistem em se duplicar. Tive raiva da vida que por vezes nos obriga a cometer pequenos suicídios.

Alguns meses se passaram até que eu me desse conta de que meu cabelo já havia voltado ao comprimento antigo. E eu, descrente por natureza, me vi descobrindo que não há pequenas mortes das quais não possamos ressuscitar. As flores que o cachorro destruiu brincando no jardim cresceram de novo. O dente de leite caiu e nasceu um mais forte em seu lugar. Lembro-me da colega que pensei ser minha melhor amiga, mas depois que mudou de cidade nunca mais fez contato. Do namoradinho do colegial que eu acreditava ser o meu grande amor, mas que nunca lia minhas poesias rabiscadas no fundo do caderno de 12 matérias. E já pensou se eu nunca tivesse pedido demissão daquele emprego quando apareceu uma nova oportunidade?

É mais certo que dois e dois são quatro: a gente precisa mesmo mudar. Os planos, o penteado e o endereço. Cortar aquilo que está apodrecendo e deixar renascer o que pulsa. Que contestem os matemáticos, mas não vejo ciência mais exata do que esta: há poucas perdas na vida das quais não conseguimos regenerar. Quando a ferida abre, o nosso corpo obriga o tecido a se recompor. Não é preciso nem mesmo a gente querer: a própria natureza trabalha silenciosa para tudo ficar bem.

Pra ser bem sincera, não me considero otimista. Odeio autoajuda barata, não me fio em crenças e não confio em destinos. Mas há uma verdade que carrego acesa como uma vela que se recusa a apagar: a vida é boa e sempre guarda o melhor. É preciso apenas ceder espaço. Por isso, aprendi a ter menos medo de tesoura e mais paladar para saborear o frio na barriga que vem de tudo o que é novo e desafia. Provações são necessárias. E, quando pensamos que o tempo está se fechando para uma nova tempestade, somos surpreendidos com chuva de sorrisos.

A vida às vezes nos encara na forma de uma moça com uma tesoura na mão. A gente teme e chora pelo que nos é tirado. Mas, por mais que demore, no final percebemos que algo dentro de nós ficou mais bonito e saudável. Porque há cortes que são mesmo necessários. E ainda que possamos achar que eles vêm para ferir – acredite – uma hora descobrimos que sua missão é curar.


terça-feira, 31 de março de 2015

A fuga da flor

By Tavares 512   Posted at  06:43   bebidasubstantivofeminino









Abri os olhos devagar, bem depois de já ter consciência do dia, sem coragem para enfrentar a luz que ardia meu astigmatismo. Na medida em que minhas retinas foram se acostumando com a claridade, ele se materializou. A pele clara se deixava iluminar ao longo das costas largas que subiam e desciam com suavidade, acompanhando o arfar da sua respiração e ocupando boa parte da cama de solteiro. Ri no canto dos lábios e entendi porque sentia a coluna doer.

Escorreguei para debaixo do seu braço, tomei parte do travesseiro e fiquei ali, nariz com nariz – os olhos aproveitando a inocência do sono para percorrerem intrusos cada traço do seu rosto. Tentei memorizar a pintinha negra abaixo do olho esquerdo, e percebi que ainda não havia notado o quanto seus cílios eram longos. Passeei por sua barba por fazer, como criança solta na grama. Da boca semiaberta e amassada pelo encontro com o travesseiro, eu podia ver com perfeição como se formava o desenho do seu sorriso. De repente, sufoquei a sensação de que poderia morar ali.

Não sei se por ousadia ou encanto, demorei-me demais. Meus olhos para lá e para cá fizeram cócegas em sua pele e então foi fatal: ele acordou. As sobrancelhas arquearam por um momento, num nítido espanto por me ver tão perto, com o castanho dos meus olhos lhe encurralando. Ele sorriu, toda a barba do seu rosto se mexendo, o vento esvoaçando a grama. Esparramei-me nela à vontade, aceitando a brincadeira, sentindo-me criança. Seu corpo seminu me puxou para perto e enroscou-se no meu – e então voltei a ser mulher. E ali naquela viela de poros e pelos, vi que não podia mais me prolongar. Havia chegado a hora, eu estava sem saída. Não quis mais encará-lo. Afundei em seu pescoço como quem cai no fundo de um poço. Só percebi que minha voz estava trêmula quando deixei escapulir:

– De que você mais sente medo?

– Medo? Não sei. De perder, eu acho.

– Perder no pôquer para uma mulher realmente deve ser uma afronta para o ego masculino – brinquei, já arrependida de ter iniciado aquela conversa. Ele riu.

– Perder pessoas, principalmente. E você, de que tem medo?

– Barata.

Ele riu de novo, mesmo sabendo que não era mentira. Contra a minha vontade, levantou o meu rosto à altura do seu. Furiosa, rezei em silêncio para que as lágrimas que eu sentia me queimando por dentro ainda não tivessem à mostra.

– E você, de que tem medo? – insistiu.

– De ganhar.

– Ganhar o quê?

– Pessoas, principalmente.

Dessa vez ele não riu. Foi a sua vez de me olhar por completo, sem pudores. Mirou-me fundo nos olhos. Será que havia alcançado minha alma? Desvencilhei-me.

– A gente não perde aquilo que não tem – comecei. – É por isso que eu tenho medo de ganhar. Já não suportaria mais nem uma perda.

– E como você pode saber se vai perder, se não se permitir ganhar?

– Eu não conheço o futuro, é bem verdade, mas conheço as pessoas. Elas são assim: chegam, plantam algumas flores, deixam crescer espinhos e vão embora.

E então foi silêncio. Percebi que suas mãos haviam soltado meu rosto quando me senti afundando no travesseiro, e abracei o alívio de poder entregar uma lágrima escondida ao lençol. Depois, levantei-me e pus-me a colocar o vestido que ficara caído aos pés da cama na noite anterior.

– É isso o que você vai fazer então? Ir embora?

Aquilo foi como uma pedrada em minhas costas. Feriu. Não olhei para trás – não poderia.

– Quero guardar apenas o teu perfume. Jamais suportaria os espinhos.

Saí apressada e deixei a porta bater de qualquer jeito, com um estrondo muito maior do que o esperado. Corri. Corri com toda a força que eu possuía, sentindo o vento espalhar as lágrimas quentes por minha face. Parti sem saber se fugia dele ou desse medo algoz de gostar de alguém outra vez. Corri para sentir vivas as minhas pernas e provar para mim mesma que eu era livre. Corri com a teimosia de uma flor que por um momento esquece de que também precisa de raiz.



terça-feira, 24 de março de 2015

O que tu não sabe, morena.

By Tavares 512   Posted at  10:42   bebidasubstantivofeminino












Sabe, morena, confesso que fiquei surpreso com a tua reaparição. (Confesso também que o meu coração disparou quando vi os teus cabelos longos sacudindo ao longe, naquele gingado que é só teu…) Andei pensando, não tem muito sentido você admitir agora que fez besteira. Você faz isso desde o dia em que eu te conheci, cortando sol o apressada com tua saia florida e postura ousada de algoz. (Não sei se eu já tive oportunidade de te dizer, mas desde a primeira vez eu tive fome desse teu corpo bem feito e cheiro de rosa no pé…) Mas você faz tudo errado. E eu, o que eu faço com tantos pedidos de desculpas? Eles não levam a nada, se você quer saber. Essa coisa de ferida e cicatriz é tudo verdade. Como é mesmo que dizem? A ferida uma hora se fecha, mas a cicatriz é a lembrança eterna da dor. Erros podem até ter perdão, morena, mas eles nunca têm realmente conserto. Além disso, é tarde, sabe?

Vê, morena, essa caixa de ferramentas? Foi do meu pai. Quando eu era criança, costumava brincar com elas, dizendo-me um cientista inteligente que iria fazer robôs com latas de leite ninho. Olha só essas chaves e pregos e martelos e coisas que até hoje não aprendi o nome… Se eu pudesse, morena, te deitaria naquela mesa e passaria um dia inteiro com essas ferramentas nas mãos, consertando os teus defeitos. Desenroscaria teus vícios, acertaria tuas manias, bateria um prego em teus medos e poliria o teu coração… tudo ficaria em seu devido lugar. Seria um dia árduo de trabalho, talvez até dois. Depois, me dedicaria a escavar os teus erros, saboreando a lentidão em que eles seriam transformados em pó, totalmente inofensivos. Então eu abriria a janela do meu quarto e os sopraria para bem longe, com um alívio que eu nunca conseguiria descrever nem na minha melhor inspiração. Mas tudo ainda faz parte da minha ficção infantil. Além disso, é tarde, vê?

Escuta, morena, eu sempre te amei acima de todas as tuas falhas. A culpa não é minha e, no fundo, sei que você entende. Eu tive esperança de um dia poder ajustar esse teu jeito desarrumado à minha vida. Mas eu devia saber que você não é uma lata de alumínio pronta pra ser moldada ao meu querer. (Ainda que eu só tenha desejado o melhor …) Essa conversa de sentir falta, morena, tudo isso ainda mexe comigo. Eu não gosto de confessar, mas por aqui tem se passado a mesma coisa. Só que agora não adianta insistir. Eu te falei tantas vezes, lembra? Que só brincar de amor não sustenta o tempo. Que é preciso levar a sério quando se quer durar. Chega uma hora que a gente precisa aprender a ser pro outro, compreende agora? Mas não, agora não adianta. Escuta, é tarde.

Por isso vai, morena. Volta a tocar tua vida com tua saia florida e todas as tuas besteiras. Um dia se eu vir teus cabelos longos sacudindo ao longe, em um gingado diferente, é sinal que tu achou o teu próprio conserto. Aí quem sabe, morena, se a gente se encontrar num desses becos sem saída… a gente descubra que só há uma saída pra nós dois.


terça-feira, 17 de março de 2015

Copos e outros vazios!

By Tavares 512   Posted at  07:54   bebidasubstantivofeminino












Não me leva a mal, menina, não é que eu sinta falta de você, ou da tua voz, ou do teu abraço. Não é vontade de dormir embriagado com o teu cheiro, com o braço atravessado em tua cintura fina e os pés entrelaçados nos teus. Não são as tardes de domingo em que eu ficava brincando com os cachos louros do teu cabelo enquanto fingia assistir ao filme ruim que você havia escolhido. Não é pelo fato de eu conhecer todas as tuas cicatrizes e saber exatamente a travessura que conta a história de cada uma. Não tenho saudade do teu beijo que sabia me queimar ou me acalmar, tudo na hora certa. Nem da pontualidade do teu carinho, palavras e pirraças.

Veja bem, menina, não é saudade. Nem vontade de me prender de novo aos teus argumentos insensatos. Não é pelo conforto de repousar a cabeça em tua sombra enquanto podia saciar minha sede com tua saliva doce de menina “de vez”. Ainda lembro como você ficava bonita naquele pijama de personagens da Disney, e de como achava graça da tua irritação incrédula toda vez em que eu dizia isso. Mas é só lembrança. Juro que não preciso mais nem mesmo segurar a fúria e engolir em seco toda vez que imagino que pode existir outro homem passeando em tuas curvas e cachos, provando da tua sombra e lençóis.

Não é que eu queira ter você de volta, nem o que o tempo nos tornou deixaria. Mas queria sentir de volta algo que fosse de verdade, entende? Qualquer coisa um pouco mais quente que não passasse junto com o efeito do uísque. Os amores de uma noite até que divertem, mas no outro dia, eles não passam de amores da noite passada. E então só resta servir uma dose de ressaca com alguns cubos de sorrisos frouxos, num copo tão vazio quanto os olhos que me evitam. Quando acabasse o jogo de sedução, eu só queria ouvir algo inteligente, receber um cafuné sem compromisso, rir de uma piada fora de hora… Qualquer coisa que não deixasse essa sensação de game over, porque é difícil aceitar que isso é o melhor que as pessoas têm.

Sabe, menina, não tenho vontade de voltar a mergulhar fundo, mas acho um tédio essa coisa de não sair da superfície. Afinal, depois que todo mundo vai embora e o copo já está seco, praias sempre me parecem todas iguais. Encantam, seduzem e divertem, mas chega uma hora que cansam. Gente vazia também.


terça-feira, 10 de março de 2015

Cansei de ser mulher!

By Tavares 512   Posted at  05:33   bebidasubstantivofeminino










Cansei de ser rotulada. De ser dama, menina direita, moça de família. Cansei de não poder beber, fumar, xingar, sentar à vontade e falar no tom que eu quiser. Dos espantos quando digo que gosto de cerveja ou que não sei cozinhar. Mas, principalmente, dos absurdos que eu ouço quando descobrem que não quero casar ou ter filhos. Cansei de não saber dirigir, de gostar de rosa e de ser loira burra. De insinuarem que meu sucesso profissional está associado à minha beleza – ou à falta dela. Cansei de ser fofoqueira, consumista, dominar tarefas domésticas e não entender de futebol. De ser ridicularizada porque namoro um cara mais baixo que eu. De ter que ser vaidosa e não poder rachar a conta. Ah, e também estou farta de ser julgada em qual categoria me enquadro, no de mulheres “pra namorar”, “pra ficar” ou “só pra comer”. Com que direito instituem esse júri popular?


Cansei de ser puta. De não poder tomar a iniciativa quando estou interessada em alguém e nunca – jamais – poder transar de primeira. É coisa de vagabunda oferecida, afinal. Cansei de ser humilhada, envergonhada e destruída a cada vez que tenho cenas íntimas expostas. De ser a “safada” e “vadia” que estava fazendo sexo, enquanto o meu parceiro passa por despercebido – afinal, ele nunca será o vadio que se deixou filmar. E, em hipótese alguma, será questionado o seu caráter ao compartilhar um momento a dois. Cansei de me dar o respeito. De não poder me masturbar ou sentir tesão. Cansei de me dar valor, quando ele está na medida do tamanho da minha roupa. Cansei de não poder sair sozinha ou dançar à vontade, sem que alguém me olhe e diga: “Essa aí tá pedindo.”

Cansei de carregar a culpa. De não poder abortar. De ser abandonada e negligenciada em uma gravidez indesejada. E, ainda assim, ser olhada com desprezo quando carrego uma camisinha na bolsa. Ando exausta de ser autora das provocações sempre que sou abusada, seja numa rua escura ou dentro da minha casa, pelo meu tio ou padrasto. Cansei de gostar de apanhar. Queria, ao menos por uma vez, ser vítima da violência doméstica por falta de informação, de coragem pra denunciar, de independência, de estrutura emocional pra enfrentar a situação ou simplesmente por medo.

Cansei de ser submissa. De ver meu corpo vendido em comerciais de TV. De namorados que querem me dizer o que vestir, quais lugares frequentar e como me comportar. De pedir permissão ao marido para cortar o cabelo. Da vizinha que me censura quando chego em casa com um paquera diferente, porque vou “ficar falada”. Cansei de servir e obedecer. Cansei da sabatina insistente sobre o que eu posso e o que eu devo.

Cansei de ser inferiorizada. De ter nascido de uma costela com único propósito divino de ser uma “auxiliadora idônea” para o homem. De morder a maçã e ser arduamente responsabilizada pela inserção do pecado no mundo. Cansei ainda de ser obrigada a usar véus e burcas. Ainda não entendi por que tenho que me esconder. Cansei de ser condenada ao analfabetismo e impedida de trabalhar. De ser violentada, mutilada e apedrejada. Tratada como um objeto, um animal obediente, um servo à beira da punição. Não aguento mais ser desumanizada.

Cansei de ser rejeitada. De ouvir meu pai torcendo para ver o sexo masculino nas ultrassons da minha mãe. “Porque menino dá menos trabalho”, ele justificava, sem querer admitir que suava frio só de pensar que eu seria submetida a coisas bastante sujas, que ele mesmo já fez com tantas outras mulheres. E – nessa parte ele não mentiu – queira um menininho pra poder ensiná-lo a ser homem de verdade: levantar a saia da coleguinha na escola, brincar de luta, mostrar o pênis e falar os primeiros palavrões. Ele riria orgulhoso todas as vezes em que o filho realizasse os grandes feitos. “Macho que nem o pai”, ele repetiria, cheio de si. Minha mãe aplaudiria satisfeita, e pediria para o garoto repetir a cena na presença das visitas, uma obra-prima digna de talk show. Mas – que decepção – olha eu aqui, vestida de rosa, de pernas cruzadas e fazendo comidinhas para as minhas bonecas. Nada além do que se espera de uma mocinha, afinal.

Cansei de ser estuprada. De ter meu sexo explorado sem a minha vontade e o meu consenso. Cansei dos pequenos assédios que passam despercebidos porque aprendemos a tratá-los como normais. As invasões ao meu corpo nunca me agradaram, e a cada dia sinto mais vontade de gritar o quanto. Cansei do instrutor da academia que alisa a minha perna, do colega de trabalho que aperta minha cintura, do estranho no ônibus que se esfrega em mim e do desconhecido que tenta me beijar à força num show. Estou exausta de andar às ruas sob chuvas de “fiu-fiu”. Os “bom dia, linda” já ferem meus ouvidos tanto quanto os “chupa aqui meu pau, gostosa”. E até mesmo os olhares indiscretos, que me fazem sentir um pedaço de carne no açougue, já são o bastante pra me desestabilizar. Meu espelho é testemunha de quantas vezes já troquei de roupa movida pelo desejo de me camuflar à atenção masculina, na tentativa frustrada de evitar essas situações. Meus pés estão calejados de tantas vezes que atravessei a rua fugindo delas. Estou cansada de sentir medo.

Cansei de ser estatística. De ser estuprada a cada 12 segundos no Brasil. De fazer parte das 43,7 mil brasileiras assassinadas entre 2000 e 2010, sendo 41% delas dentro da sua própria casa. De estar entre as 7 das 10 mulheres em todo o mundo que já sofreram ou irão sofrer algum tipo de agressão durante a vida. Ou das 6 mil mulheres que sofrem mutilação genital todos os dias. Cansei de agonizar entre as 100 milhões de meninas que devem ser vítimas de casamentos forçados na próxima década. De estar entre as 5 mil mulheres que são mortas por crimes de honra todos os anos. Cansei de ser o sexo frágil. Cansei de ser fragilizada.

Cansei também de felicitações. De mensagens bonitas a cada 8 de março. Eu as agradeço, ao passo que também as dispenso. Eu não quero um dia feliz. Nem mesmo um mês dedicado a mim. Eu quero uma vida inteira com dignidade, coisa que Bibi, Fran, Somali, Júlia, Eliza, Maria, Samara, Carmen, Jyoti, Eloá e tantas outras não puderam ter. Eu quero descanso.






terça-feira, 3 de março de 2015

O preço do dramaturgo

By Tavares 512   Posted at  04:38   bebidasubstantivofeminino












Sabe aquele almoço do domingo pra eu conhecer a sua família? Cancela. Não sei se é cedo ou tarde demais, se foram os Titãs ou a Rita Lee que disse isso, só sei que não quero ir até eles sem antes estar segura de que, primeiro, cheguei até você. É que a sua atuação é maravilhosa e me aturde sempre que entra em cena. Quando me dou conta, perdi as rédeas da realidade. Confesso que eu guardo todos os bilhetes que você deixa escondido em minha bolsa, com trechos de músicas daquela banda canadense que você adora, e me arrancam risos contra vontade quando consigo traduzir com o meu inglês primário. Confesso que acho bonitinho o nosso porta-retratos na estante da tua sala, virado para a porta, sorrindo pra todo mundo que entra. E que gostei de ter chegado de mãos dadas no casamento do seu melhor amigo e te ouvir pronunciar meu nome em cada apresentação. Mas, e aí dentro, até onde eu consegui chegar?

Não sei aonde você pretende ir com esse enredo, mas só te peço que, por favor, não me convide a dar nem mais um passo se não puder realmente suportar o meu peso. E ele é muito maior do que parece, acredite. É que eu me sinto sobrecarregada de andar por aí com tantos paradoxos empoleirados em meus ombros, como anjos e demônios sussurrando cada um a sua verdade. Se isso parecer uma cobrança, ora, talvez realmente seja. É que antes mesmo do compromisso, vem o coração. E o meu grita baixinho que está perdido no meio de tantas palavras bonitas e mãos frouxas. Tanto sorriso largo na fotografia e estômago cheio de soluços engolidos. A minha gastrite é nervosa e não faz parte desse teatro. Eu sinto o cansaço da atriz cujo sonho é fugir do roteiro. Queria saber qual é o teu papel nesse espetáculo. Queria ouvir o que você cochicha nos bastidores. Eu sei que o cenário está encantador, mas eu acho que ainda assim vou pedir os aplausos um pouco antes do esperado e sair pela porta da frente. E se você não estiver pronto pra largar essa máscara e me levar a algum lugar onde as cenas que descreve deixem de ser tão somente dramaturgia, então só afrouxa um pouco mais a minha mão e me deixa ir.

Não se preocupe, eu vou saber mudar o meu rumo. E o teu coração não será mais o destino onde eu queria chegar. Talvez eu faça uma viagem, quem sabe para o litoral, ou finalmente conheça Curitiba. Não, não me peça pra ficar. A tua peça está pequena demais, e no teu palco não cabe a sinceridade do meu querer. Eu tenho pressa, e no teu tabuleiro não me contenta ser só mais uma peça. Minha bolsa vai ficar mais vazia sem os teus bilhetes, mas os dias também vão aquietar-se de modo a preencher os vazios da alma. Quem sabe eu frequente outros almoços em família, conheça outros amigos e tenha alguém para me puxar num cafuné sem jeito, enquanto pergunta a minha opinião sobre uma das manchetes da semana, só pra não deixar eu me sentir deslocada no meio deles. Basta você afrouxar um pouco mais as cordas da marionete, e eu sigo cambaleando. Enquanto estiver dando os meus primeiros passos, por favor, jamais pronuncie o meu nome. É que eu não quero correr o risco de olhar pra trás quando ouvir tua voz. Além disso, não adianta chamar quando alguém está perdido procurando se encontrar. E a culpa não é minha – foram os Titãs ou a Rita Lee que disse isso. Acho que ouvi na trilha sonora de alguma dramaturgia barata por aí.



terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Cartas que não entreguei e outras besteiras de amor.

By Tavares 512   Posted at  05:36   bebidasubstantivofeminino













Naquela calça de moletom azul um pouco curta nas pernas, com o cois morrendo em um tronco nu. No meio das gotas de água que ainda escorrem por teus ombros largos, eu vejo. Não presto muita atenção nos resmungos que dizem algo sobre o frio, com meu jeito absorto de observar o desenho dos teus movimentos que agitam a toalha no cabelo molhado, arrepiando-o. Entre o aroma do desodorante furtado da minha prateleira e o olhar que me sorri adentrando o quarto, eu vejo amor.

No meio das azeitonas pretas que eu separo uma a uma do meu pedaço de pizza e coloco no teu prato, eu vejo. Com aquela saciedade de quem sente que é possível equilibrar nossas diferenças, sorrio satisfeita. Perdido entre a bagunça de catchup, frango, catupiry, eu sinto o seu sabor. Na TV, uma reportagem sobre super-heróis humanos. No sofá, eu alertando sobre a coca-cola no edredom. Entre os papéis de bombons e as capas de filmes espalhados pelos fins de tarde, eu vejo amor.

No calor do teu corpo que me queima sem piedade e inflama todos os meus sentidos. Nas marcas que continuam ardendo a minha pele na manhã seguinte, eu sinto. Entre os teus pedaços preenchendo as minhas unhas e toda essa confusão de sussurros e suor. No momento da certeza de que o meu corpo foi desenhado com o único propósito de encaixar com perfeição no teu. No meio da madrugada e do êxtase, ele está lá.

Quando desperto do sono antes do amanhecer com teus braços me puxando para perto do teu corpo, eu vejo. E se durante algum pesadelo chama meu nome, não é preciso abrir os olhos para enxergar. No jeito em que nos abraçamos debaixo do cobertor, com braços, pernas, pés e pescoços entrelaçados, em uma grande bagunça na qual só o coração consegue se achar. Em cada intervalo de tua respiração quente na minha nuca, dia após dia, eu posso sentir.

Ao notar você me observando com curiosidade pintar os olhos, ler um livro ou cortar uma cebola. No teu interesse nas minhas pequenezas, eu vejo. Quando me faz perguntas cujas respostas, eu sei, não vão te acrescentar nada, mas simbolizam apenas o teu simples prazer de participar do todo da minha vida. Na tua vontade em ser parte de mim, eu vejo amor.

Bem no centro do vazio que fica toda vez que você parte. Dobrado no meio das roupas que eu arrumo para você levar embora, eu vejo. Pairando no quarto escuro quando tudo em mim arde de saudade, e o medo da perda comprime o peito com uma dor realmente física. Nos dedos embriagados que digitam uma SMS trôpega e sem sentido. Num papel amarelado onde eu rabisco besteiras sobre amor. Bem claro em cada palavra torta, eu vejo.

E quando você voltar, estarei tão ocupada em ser sua, que essa vai ser só mais uma carta que eu nunca te entreguei.



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